Administração de heparina no primeiro contato médico versus imediatamente antes da intervenção coronária percutânea primária: o ensaio HELP-PCI
- SBHCI

- 23 de set.
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Texto em inglês: Heparin administration at first medical contact vs immediately before primary percutaneous coronary intervention: the HELP-PCI trial Autor: Jing Chen Co-autores: Changwu Xu, Liqiang Qiu, Bin Li, Wei Yao, Hui Wu, Longcai Hu,Guang Xu, Dongmei Zhu, Zhengzai Li, Xiaolin Wu, Chuang Xiao, Bo Liu, Xiuzhen Shen, Zhaowu Deng, Chaogui Zhuo, Huajun Su, Keping Yang, Youen Zhang, Meichun Zhang, Chang Li, Xuexiang Lv, Lifeng Hong, Fan Guo, Xingan Wu, Hao Xu, Mingjian Li, Liqun He, Wenjun Wu, Yuhua Lei, Dongsheng Li, Huoping Li, Shaoze Chen, Hong Bao, Xuguang Xiong, Bo Liu, Guokang Yang, Jinke Chen, Xiao Lan, Qibin Zheng, Guanglong Yang, Mingxi Zhang, Jian Yang, and Hong Jiang Revisor: David de Andrade Nunes Referencia: European Heart Journal (2025) 00, 1-14
European Society https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehaf481
Introdução
A intervenção coronária percutânea primária (ICPp) é a estratégia padrão de reperfusão para pacientes com infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST), especialmente quando pode ser realizada dentro de 120 minutos após o diagnóstico inicial. Embora redes regionais estejam bem estabelecidas mundialmente, ainda existem atrasos inerentes desde o primeiro contato médico (PCM) até a chegada ao laboratório de cateterismo (Hemodinâmica), período no qual nenhuma terapia de reperfusão específica pode ser administrada.Tratamentos antitrombóticos intravenosos antes da ICPp foram testados no estudo FINESSE, mas nem o uso precoce de abciximabe nem a administração de reteplase em meia dose melhoraram significativamente os desfechos clínicos, embora tenha havido aumento substancial no fluxo TIMI grau 3 (TFG-3) inicial. Essa estratégia farmacológica pode aumentar o risco de sangramento grave e mortalidade, anulando assim quaisquer benefícios clínicos potenciais. Consequentemente, qualquer tratamento que aumente a permeabilidade da artéria relacionada ao infarto (IRA) sem aumentar complicações pode resultar em melhor prognóstico.Além do ácido acetilsalicílico, as diretrizes recomendam o uso de inibidores potentes do receptor P2Y12 em pacientes com IAMCSST sob risco controlado de sangramento, devido às propriedades farmacológicas mais favoráveis. No entanto, a administração pré-hospitalar de ticagrelor não melhorou a reperfusão coronariana precoce. Considerando que as redes de emergência estão bem estabelecidas, o intervalo relativamente curto entre a administração da terapia antiplaquetária dupla (DAPT) no PCM e a ICPp pode não permitir tempo suficiente para sua ação completa.A administração precoce de heparina não fracionada (HNF), prática comum em muitas redes nacionais para IAMCSST, parece ser segura e associada a uma melhora do TFG antes da ICPp. Um registro nacional indicou que 38% dos pacientes com IAMCSST estavam recebendo HNF como pré-tratamento. Do ponto de vista fisiopatológico, a HNF atinge seu efeito máximo em poucos minutos e tem meia-vida de apenas 1 a 2 horas após administração intravenosa. Essas características potencializam sua utilidade como candidata à administração precoce. No entanto, as evidências de alta qualidade sobre sua eficácia no contexto do PCM ainda são limitadas. Até onde se sabe, nenhum ensaio clínico randomizado de grande escala foi realizado para examinar se o pré-tratamento com HNF afeta o fluxo TIMI inicial e os desfechos clínicos a longo prazo.Segundo diretrizes, a dose recomendada de HNF para tratamento inicial e durante a ICPp é de 70 a 100 U/kg. Este estudo teve como objetivo investigar os efeitos do pré-tratamento com HNF na dose de 100 U/kg na restauração do TFG-3 na IRA de pacientes com IAMCSST antes da ICPp, o que pode estar associado ao prognóstico.
Métodos
Desenho do estudoO estudo HELP-PCI foi um ensaio clínico randomizado, aberto, multicêntrico e de iniciativa de investigadores, conduzido em 36 centros clínicos em 14 cidades da China. Pacientes com IAMCSST, com até 12 horas do início dos sintomas e indicados para ICPp, foram randomizados para receber HNF (100 U/kg) por via intravenosa no PCM (na ambulância, hospital sem capacidade de ICPp ou pronto-socorro) ou no laboratório de cateterismo, via introdutor arterial. O estudo seguiu a Declaração de Helsinque, e o protocolo foi aprovado pelo comitê de ética do Hospital Renmin da Universidade de Wuhan e pelos centros participantes. Todos os pacientes ou seus representantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.Seleção dos pacientesOs critérios de inclusão foram: (1) idade entre 18 e 80 anos; (2) IAMCSST com até 12 horas do início dos sintomas (definido como elevação do segmento ST ≥1 mm em ≥2 derivações contíguas — V2-V3 ≥2 mm — ou bloqueio de ramo esquerdo novo, ou bloqueio de ramo direito com elevação do ST ou onda Q em V1-V3); (3) intenção de realizar ICPp (tempo estimado entre PCM e dilatação com balão <120 minutos, sem considerar trombólise).Principais critérios de exclusão: reanimação cardiopulmonar, complicações mecânicas, sangramento ativo, uso de anticoagulantes orais, histórico de cirurgia de revascularização do miocárdio e histórico de trombocitopenia induzida por heparina.
Randomização e procedimentos
Pacientes elegíveis foram randomizados na proporção 1:1 para pré-tratamento com HNF no PCM ou administração habitual no laboratório de cateterismo, por meio de sistema web interativo com randomização em blocos estratificados. Todos os pacientes receberam dose de ataque de DAPT, com 300 mg de aspirina e 180 mg de ticagrelor ou 300-600 mg de clopidogrel, imediatamente após ECG diagnóstico no PCM.A HNF deveria ser administrada no grupo de pré-tratamento com dose de 100 U/kg por via intravenosa em até 10 minutos após a randomização, antes do transporte ao laboratório. No grupo da Hemodinâmica, a administração pela bainha arterial também seguia a dose inicial de 100 U/kg, mas a dosagem aguda ficava a critério do cardiologista intervencionista.Em ambos os grupos, era permitido administrar doses adicionais de HNF durante a ICPp se o tempo de coagulação ativado fosse <225 s ou conforme julgamento clínico, com 1000 U/h administradas durante o transporte. Não foi permitido o uso de heparina de baixo peso molecular, bivalirudina, inibidores da glicoproteína IIb/IIIa ou outros agentes antitrombóticos antes da ICPp. O uso provisório de GPI foi permitido durante ou após o cateterismo, a critério do investigador. A ICPp foi preferencialmente realizada por via radial, conforme prática clínica padrão. Um ECG de 12 ou 18 derivações foi repetido 90 minutos após a ICPp. Outros medicamentos foram administrados conforme as diretrizes vigentes. O seguimento ocorreu aos 30 dias, 6 meses e 12 meses após a randomização, presencialmente ou por telefone.
Desfechos e definições
O desfecho primário foi a obtenção de TFG-3 da artéria relacionada ao infarto durante a angiografia diagnóstica antes da ICPp. Os desfechos secundários incluíram eventos cardiovasculares e cerebrovasculares maiores (MACCE), definidos como o composto de morte por todas as causas, morte cardíaca, internação por insuficiência cardíaca, reinfarto, trombose de stent, revascularização não planejada e acidente vascular cerebral, avaliados em 1 ano após a randomização.Outro desfecho secundário foi a reperfusão epicárdica e miocárdica completa após ICPp, definida como TFG-3 para reperfusão epicárdica, grau 3 da perfusão miocárdica pelo TIMI (TMPG-3) e resolução completa do segmento ST (≥70%) no ECG 90 minutos após ICPp. O desfecho de segurança primário foi sangramento do tipo ≥2, conforme o Consórcio de Pesquisa Acadêmica sobre Sangramento (BARC), até 30 dias após a randomização.Todos os desfechos angiográficos e análises de ECG foram determinados de forma cega por laboratório central independente. Análises pós hoc avaliaram os MACCE em 30 dias e o impacto do uso de GPI, hospital de PCM e infarto com onda Q nos desfechos clínicos. Todas as demais análises foram pré-especificadas no protocolo suplementar.
Resultados
Um total de 999 pacientes com IAMCSST submetidos à ICP primária foram randomizados para receber HNF no PCM (n = 505) ou no laboratório de cateterismo (n = 494). A população pré-tratada no PCM apresentou maior frequência de TFG-3 da artéria relacionada ao infarto em comparação com o grupo do laboratório de cateterismo (23,6% vs 17,6%; razão de chances = 1,44; intervalo de confiança de 95%: 1,06–1,97; P = 0,02). Não houve diferenças significativas nos desfechos secundários ou no desfecho de segurança, incluindo MACCE em 12 meses, reperfusão epicárdica e miocárdica completa, e sangramento maior.
Discussão A eficácia e a segurança da administração de HNF na dose de 100 U/kg no PCM versus no laboratório de cateterismo para pacientes com IAMCSST submetidos à ICP primária foram avaliadas neste estudo. Os principais achados foram: (i) o pré-tratamento com HNF esteve associado a uma melhora relativa de 34,1% na permeabilidade da artéria relacionada ao infarto (IRA) antes da ICPp, sem aumento de eventos hemorrágicos maiores na era atual do tratamento do IAMCSST; (ii) não houve diferença significativa nas taxas de MACCE em 1 ano nem na reperfusão epicárdica e miocárdica completa, independentemente da administração de HNF no PCM ou no laboratório de cateterismo.Antes deste ensaio, apenas cerca de 12 estudos observacionais e um pequeno ECR realizado na década de 1990 haviam investigado a restauração precoce da IRA, com resultados inconsistentes. Uma análise de 7000 pacientes com IAMCSST do estudo TASTE sugeriu benefício da heparina antes da ICPp em termos de TFG-3 e menor carga trombótica, mas este efeito não foi confirmado em outro ensaio randomizado de centro único. Possíveis razões incluem o tempo total de isquemia e o uso de doses não padronizadas de HNF. No presente estudo, a administração precoce de HNF contribuiu para uma melhora de 34,1% na reperfusão espontânea antes da ICPp, mesmo com um intervalo médio curto de 37 minutos entre a aplicação no PCM e a intervenção. Esse achado sugere que a heparina pode ser mais eficaz nas primeiras 1 a 2 horas após o início dos sintomas, período em que o trombo ainda é menos organizado. O ensaio HELP-PCI reforça boas práticas, com tempo médio de PCM ao fio-guia de 1,35 h, indicando que a rapidez entre início dos sintomas e balão pode determinar o efeito ótimo do pré-tratamento. Outro possível mecanismo seria o sinergismo farmacológico entre a anticoagulação plena com HNF e a terapia antiplaquetária adequada.Entretanto, os benefícios iniciais em termos de permeabilidade da IRA não se traduziram em melhora da reperfusão miocárdica ou redução de MACCE em 1 ano. Diferenças estatísticas não significativas na mortalidade também foram observadas, em linha com parte da literatura. Variações nos resultados entre estudos podem estar ligadas à heterogeneidade da população, diferenças na terapia antitrombótica associada, limitações metodológicas de registros clínicos e falta de poder estatístico adequado. O TFG pré-ICPp, usado como desfecho primário, é um marcador substituto da reperfusão miocárdica e pode não ter sensibilidade suficiente para predizer desfechos clínicos robustos. Interessantemente, análises pós hoc sugeriram benefício clínico nos primeiros 30 dias, mas com perda desse efeito em 6 e 12 meses. Isso reforça que uma única dose de HNF, com curta duração de ação, dificilmente explicaria resultados de longo prazo.A estratégia antitrombótica ideal deve equilibrar o aumento da permeabilidade da IRA com a minimização do risco de eventos isquêmicos e hemorrágicos durante a ICPp. Estudos recentes, como o BRIGHT-4, confirmaram que a bivalirudina com infusão de alta dose após a ICP reduz mortalidade e sangramentos maiores em comparação à monoterapia com heparina, e resultados semelhantes foram vistos no EUROMAX. No entanto, no HELP-PCI, o pré-tratamento com HNF não aumentou sangramento maior, e as taxas globais de sangramento foram inferiores às observadas em outros ensaios. Isso pode estar relacionado ao amplo uso do acesso radial (95,7% dos casos), à proibição do uso de GPI antes da ICPp e ao perfil de baixo a moderado risco da população estudada. A ausência de sangramentos maiores relacionados à punção reforça a segurança dessa prática no contexto atual.
Limitações
O estudo apresenta limitações. O prasugrel não estava disponível na China, mas evidências sugerem que seus resultados seriam semelhantes aos do ticagrelor. O uso concomitante de GPI com DAPT pode alterar o equilíbrio entre risco trombótico e hemorrágico, mas a análise por subgrupos não demonstrou interação significativa. O uso de morfina, conhecido por retardar a ação do ticagrelor, foi mínimo na coorte. A avaliação de dano miocárdico e disfunção microvascular dependeria de exames avançados como a ressonância cardíaca, não disponíveis neste protocolo. Além disso, como o cálculo amostral foi baseado na permeabilidade da IRA, o estudo não teve poder estatístico suficiente para detectar diferenças em desfechos clínicos de baixa incidência, como MACCE.
Conclusão
O pré-tratamento precoce com HNF em dose plena (100 U/kg) no PCM pode aumentar a taxa de fluxo TIMI pré-ICPp na artéria relacionada ao infarto, sem elevação do risco de sangramento ou eventos isquêmicos em pacientes com IAMCSST. Essa prática parece segura no contexto de redes de atendimento bem organizadas. Contudo, estudos maiores são necessários para determinar se o benefício em termos de fluxo TIMI se traduz em melhora de desfechos clínicos a longo prazo.



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