Pós-dilatação rotineira com volume nominal para otimizar a expansão de válvulas expansíveis por balão: o estudo DOUBLE-TAP
- SBHCI

- 29 de out.
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Título em inglês: Routine post-dilatation at nominal volume to optimise the expansion of balloon-expandable valves: the DOUBLE-TAP study
Autor: Ali Husain, MBBCh
Co-autores: Julius Jelisejevas, MD; Kevin Millar, MBBCh; Abdulla Alnuwakhtha, MD; Aaisha Ferkh, MBBS, PhD; Julien Delarive, MD; Hacina Gill, BSc; Jasem Althekrallah, MD; Sophie Offen, MBBS; Georgios Tzimas, MD; Jian Ye, MD; Jonathon A. Leipsic, MD; Philipp Blanke, MD; Janarthanan Sathananthan, MBChB, MPH; David A. Wood, MD; Stephanie L. Sellers, MSc, PhD; David Meier, MD; John G. Webb, MD
Revisor: Dr. David de Andrade Nunes
Referência: EuroIntervention 2025;21:e1159-e1168 DOI: 10.4244/EIJ-D-25-00258
Introdução
O implante transcateter da válvula aórtica (TAVI) tornou-se a estratégia de tratamento preferida para a maioria dos pacientes com estenose aórtica grave (AS). O aumento da utilização da TAVI em pacientes mais jovens cria uma necessidade de otimização da função e durabilidade da válvula cardíaca transcateter (THV). A subexpansão da THV após TAVI com balão expansível (BE) é comum e tem sido associada à função e durabilidade prejudicadas da THV devido à coaptação subótima das cúspides, pinwheeling, alto estresse nas cúspides, alteração no fluxo sanguíneo, espessamento das cúspides (HALT) e trombo. A pós-dilatação das THVs BE subexpandidas pode aumentar a área efetiva do orifício (EOA), diminuir o risco de mismatch paciente-prótese e reduzir o leak paravalvar (PVL). A pós-dilatação geralmente é realizada com o balão do sistema de entrega superinflado, usando um balão menos complacente ou um balão maior, com possível aumento do risco de acidente vascular cerebral ou lesão anular. A técnica do "double-tap" refere-se à pós-dilatação reutilizando o balão do sistema de entrega no mesmo volume. Embora o double-tap ad hoc tenha se tornado comum em muitos centros, não houve uma avaliação sistemática da segurança e eficácia do seu uso rotineiro.
Supomos que o double-tap rotineiro melhoraria a expansão da THV sem aumentar o risco de eventos adversos durante o procedimento. O presente estudo relata uma prova de conceito do double-tap em bancada, bem como os resultados de uma coorte clínica na qual essa técnica foi usada rotineiramente após a TAVI Balão Expansível.
Desenho do Estudo e População de Pacientes
Pacientes submetidos a TAVI com válvula S3U ou S3U RESILIA (ambas da Edwards Lifesciences) em dois centros de válvulas em Vancouver, Canadá, entre agosto de 2023 e março de 2024 foram incluídos prospectivamente neste estudo. Pacientes foram excluídos se apresentassem calcificação anular ou subanular severa, se estivessem passando por TAVI valve-in-valve, ou TAVI com balão sub ou superinflado, ou com válvula não-S3U. Pacientes com anormalidades de condução atrioventricular basais não foram excluídos. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética institucional local
Procedimento Double-Tap
O tamanho da válvula THV foi escolhida com base na área anular nativa do paciente medida por tomografia computadorizada (CT), seguindo as recomendações do fabricante. A inflação com volume nominal foi realizada conforme especificações do fabricante (11 ml para S3U 20 mm, 17 ml para S3U 23 mm, 23 ml para S3U 26 mm e 33 ml para S3U 29 mm). A pré dilatação antes da implantação da THV ficou a critério do operador. A válvula foi implantada sob estimulação rápida e o balão mantido inflado por 3 segundos com o cilindro do dispositivo de inflação completamente vazio para garantir a inflação total do balão. O sistema de entrega da válvula foi então retraído e posicionado na aorta descendente. Posteriormente, o balão foi reposicionado e totalmente inflado novamente no volume nominal por 3 segundos durante estimulação rápida. Dispositivos de proteção cerebral não foram utilizados.
Aquisição e Análise de Imagens Fluoroscópicas
A avaliação da expansão da THV foi realizada usando um método fluoroscópico recentemente descrito que utiliza a altura do pino comissural da S3U para calibração. A altura do pino comissural varia de acordo com o tamanho da válvula, mas é fixa para cada tamanho definido e permanece inalterada independentemente da expansão da válvula. Este método demonstrou alta concordância entre observadores e excelente correlação com a expansão avaliada por tomografia computadorizada.
Em resumo, imagens de cine sem contraste (15 quadros por segundo) foram obtidas imediatamente após a implantação da válvula usando equipamento padrão do laboratório de cateterismo (GE Innova 520) nas vistas de três cúspides (3C) e sobreposição de cúspides (CO). As imagens foram capturadas com o quadro da válvula alinhado para minimizar o paralaxe, o que resultou em pequenas modificações nos ângulos pré-determinados da tomografia, denominados vistas 3C e CO corrigidas fluoroscopicamente. Após o double-tap, imagens cine sem contraste na mesma velocidade de quadros e ampliação foram obtidas novamente nas vistas corrigidas 3C e CO.
O diâmetro da válvula (mm) nos níveis de entrada, ponto médio e saída foi medido nas vistas 3C e CO antes e após o double-tap. A área transversal da válvula foi calculada a partir do diâmetro em cada nível usando matemática básica.
A porcentagem de expansão foi calculada usando a área transversal derivada da média dos diâmetros nas vistas 3C e CO em comparação à área nominal conforme o fabricante (por exemplo, 328 mm² para S3U 20 mm, 409 mm² para S3U 23 mm, 519 mm² para S3U 26 mm e 649 mm² para S3U 29 mm). A porcentagem de expansão foi calculada antes e após o double-tap. Os softwares syngo Dynamics (Siemens Healthineers) e TOMTEC (TOMTEC Imaging Systems) foram utilizados para análise de imagens.
Desfechos
O desfecho primário foi a eficácia do double-tap rotineiro na expansão da THV. O desfecho primário de segurança foi a incidência de eventos adversos maiores conforme os critérios do Valve Academic Research Consortium (VARC)-3. Os desfechos de segurança incluíram morte, infarto do miocárdio, AVC, lesão anular, dissecção aórtica e implantação de marcapasso permanente. Os desfechos hemodinâmicos da THV, incluindo gradientes valvares aórticos, velocidade máxima (Vmax), área e regurgitação paravalvar por ecocardiografia transtorácica foram coletados. Os desfechos foram avaliados imediatamente após o procedimento e no seguimento de 30 dias. Finalmente, foram avaliados os impactos do grau de oversizing (%) e da calcificação da válvula aórtica (unidades de Agatston) na eficácia do double-tap.
RESULTADOS
O procedimento rotineiro de double-tap foi realizado em 102 pacientes. Apesar da implantação nominal, todos os pacientes apresentaram algum grau de subexpansão da válvula transcateter (THV) após a primeira inflação. A análise fluoroscópica documentou um aumento na expansão mínima da THV, medido pela área da seção transversal, de 9,8% para a S3U de 20 mm (p=0,151), 9,9% para a S3U de 23 mm (p<0,001), 9,2% para a S3U de 26 mm (p<0,001) e 8,6% para a S3U de 29 mm (p=0,002). Não houve casos de AVC ou mortalidade cardiovascular aos 30 dias.
Discussão
Até onde sabemos, este é o primeiro estudo que avalia o impacto da pós-dilatação rotineira com a técnica double-tap após TAVI com válvulas expansíveis por balão (BE).
Os principais achados deste estudo são:
· Apesar da implantação nominal da válvula BE, todos os pacientes apresentaram graus variados de subexpansão da THV após a primeira inflação;
· O uso rotineiro do double-tap resultou em uma melhora estatisticamente significativa na expansão da THV, observada tanto nas vistas 3C quanto CO, e consistente em diferentes tamanhos de THV;
· Essa estratégia aparenta ser segura;
· O impacto do double-tap também foi observado em bancada, resultando em melhor expansão e função da válvula mesmo em um cenário idealizado ex vivo.
Subexpansão da Válvula Sapien 3 Ultra
Apesar da implantação nominal, a subexpansão da THV esteve presente em todos os pacientes após a primeira inflação, especialmente no ponto médio, onde a THV frequentemente está em contato direto com a maior carga de cálcio. Esse achado está em consonância com estudos recentes de tomografia pós-TAVI em pacientes submetidos a TAVI com a válvula S3U, que mostram que a prevalência de deformação e subexpansão da THV pode chegar a 92%, sendo a subexpansão no ponto médio extremamente comum mesmo em casos onde o balão do sistema THV é superinflado. Aqui, mesmo em bancada, a válvula S3U não atingiu a expansão nominal (expansão do ponto médio da THV: 87,2%). Pode-se especular que a subexpansão pode ser ainda mais proeminente quando implantada em um ambiente restrito e/ou calcificado.
Eficácia do Double-Tap
O benefício do double-tap foi consistente em todos os tamanhos de THV. A possível exceção foi o menor S3U (20 mm), onde o benefício esteve presente numericamente, mas não foi estatisticamente significativo, possivelmente devido ao número limitado de pacientes nesse grupo. Curiosamente, a eficácia do double-tap não foi significativamente influenciada por fatores anatômicos basais, como oversizing anular ou a severidade da calcificação, embora o tamanho da amostra seja pequeno para conclusões definitivas nessa subanálise. O mecanismo pelo qual o double-tap melhora a expansão da THV não está claro, mas pode ser explicado pela redução do recoil, força concentrada do balão no ponto médio da THV parcialmente expandida, ou pela duração mais longa da inflação. De fato, o conceito de dupla inflação também mostrou ser eficaz em stents coronários, melhorando a área do lúmen mínimo em até 14%. O quadro do stent da válvula S3U é feito de cobalto-cromo, material propenso a recoil elástico agudo, conceito bem descrito na literatura de stents coronários. Estudos anteriores encontraram que o recoil elástico está associado a uma redução média do diâmetro da THV entre 3,8% e 4,7%. Esse fenômeno pode ser atenuado pelo uso rotineiro do double-tap.
Em bancada, o impacto do double-tap foi observado somente nos parâmetros de expansão, sem efeito imediato na área efetiva do orifício (EOA) ou gradiente médio . No entanto, isso não elimina outros impactos da subexpansão, incluindo aumento da turbulência do fluxo, desenvolvimento de HALT e possíveis implicações para a durabilidade. Isso é destacado pelo fato de que o double-tap melhorou o pinwheeling durante o teste hidrodinâmico. A subexpansão associada ao pinwheeling tem sido mostrada como causadora de deterioração das cúspides ao longo do tempo, o que se acredita acelerar a deterioração da válvula.
Segurança do Double-Tap
A pós-dilatação geralmente é realizada adicionando mais volume ao balão do sistema de entrega ou utilizando balões maiores ou não complacentes. Neste estudo, o double-tap melhorou a expansão da válvula transcateter (THV) sem a necessidade de adicionar mais volume ou usar balões dedicados. Isso pode ser particularmente interessante em pacientes com características adversas na raiz aórtica, pois os riscos procedimentais associados a uma estratégia agressiva de pós-dilatação podem ser significativos.
De fato, na experiência apresentada, o uso rotineiro do double-tap mostrou-se seguro, sem sinais que sugerissem aumento do risco de eventos adversos procedimentais. Não houve casos de morte, acidente vascular cerebral, lesão anular ou embolização da válvula, e a taxa de bloqueio atrioventricular completo ou de alto grau requerendo implantação de marcapasso foi relativamente baixa.
Limitações
O uso rotineiro da técnica double-tap não pode ser recomendado para pacientes com calcificação anular ou subanular severa, pois esses foram excluídos do presente estudo. A realização de tomografia computadorizada (CT) intraprocedimental teria sido desejável, mas é obviamente impraticável. Entretanto, o método fluoroscópico baseado na altura do pino comissural já foi previamente validado e comparado com a tomografia. Deve-se também observar que a predilatação foi realizada apenas em um número limitado de casos, e ainda não se sabe se seu uso influencia a eficácia do double-tap. Além disso, não foram feitas avaliações invasivas nem não invasivas da hemodinâmica da válvula antes ou depois do double-tap. Portanto, estudos maiores são necessários para determinar se essa melhora na expansão da válvula transcateter resultará em um perfil hemodinâmico superior, menor incidência de HALT ou melhor durabilidade da válvula.
Conclusões
Na ausência de características adversas na raiz aórtica, a pós-dilatação rotineira utilizando o mesmo balão do sistema de entrega no volume nominal após TAVI com válvula expansível por balão (BE) foi associada a uma melhora substancial e estatisticamente significativa na expansão da válvula transcateter, sem preocupações de segurança procedimental.




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