Reparo Transcateter de Borda a Borda da Valva Tricúspide em Pacientes com Dispositivos Eletrônicos Cardíacos Implantáveis: Resultados do Registro EuroTR
- SBHCI

- 29 de out.
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Título em inglês: Tricuspid Valve Transcatheter Edge-to-Edge Repair in Patients With Cardiac Implantable Electronic Devices: Insights From EuroTR
Autor: Jennifer von Stein
Co-autores: Philipp von Stein, Roman Pfister, Karl-Patrik Kresoja, Vera Fortmeier, Benedikt Koell, Wolfgang Rottbauer, Mohammad Kassar, Bjoern Goebel, Paolo Denti, Paul Achouh, Tienush Rassaf, Manuel Barreiro-Perez, Peter Boekstegers, Andreas Rück, Monika Zdanyte, Marianna Adamo, Flavien Vincent, Philipp Schlegel, Sebastian Rosch, Mirjam G. Wild, Christian Besler, Stefan Toggweiler, Stephanie Brunner, Julia Grapsa, Tiffany Patterson, Holger Thiele, Tobias Kister, Giuseppe Tarantini, Giulia Masiero, Marco De Carlo, Alessandro Sticchi, Fabian Voss, Amin Polzin, Antonio P. Rubbio, Francesco Bedogni, Thorald Stolte, Thomas Nestelberger, Tomás Benito González, Mathias H. Konstandin, Eric Van Belle, Marco Metra, Tobias Geisler, Rodrigo Estévez-Loureiro, Amir A. Mahabadi, Nicole Karam, Francesco Maisano, Philipp Lauten, Fabien Praz, Mirjam Kessler, Daniel Kalbacher, Volker Rudolph, Philipp Lurz, Juan F. Granada, Jörg Hausleiter, Lukas Stolz, and Christos Iliadis - EuroTR Investigators
Revisor: Dr. Attílio Galhardo
Referência: JACC: Cardiovascular Interventions. 25 de outubro de 2025
Fundamentos
O reparo transcateter de borda a borda da valva tricúspide (T-TEER) consolidou-se como a principal estratégia percutânea para o tratamento da insuficiência tricúspide em pacientes com risco cirúrgico elevado. Contudo, cerca de um terço desses pacientes apresenta dispositivos eletrônicos cardíacos implantáveis (CIEDs) com cabos atravessando a valva tricúspide — situação que pode comprometer o coaptação dos folhetos e contribuir para regurgitação induzida pelo eletrodo.Até então, os dados disponíveis sobre segurança e eficácia do T-TEER em portadores de CIEDs eram limitados a análises observacionais de curto prazo, sem evidências robustas sobre o impacto prognóstico e funcional em longo prazo. O presente estudo buscou preencher essa lacuna, avaliando desfechos clínicos e ecocardiográficos em uma grande coorte europeia do registro EuroTR.
Metodologia
O EuroTR é um registro multicêntrico observacional, incluindo pacientes com insuficiência tricúspide grave tratados com T-TEER entre 2016 e 2024 em 26 centros europeus.Entre 3.025 pacientes, 851 (28,1%) apresentavam cabos transvalvares de dispositivos (marcapasso, CDI ou TRC). O desfecho primário foi a proporção de pacientes com regurgitação ≤1+ e ≤2+ na alta hospitalar. Desfechos secundários incluíram sucesso intraprocedimento (definido pelo Tricuspid Valve Academic Research Consortium), classe funcional da NYHA, e sobrevida livre de morte ou hospitalização por insuficiência cardíaca (IC) em 2 anos.
Para comparar os resultados com pacientes sem CIEDs, foi realizada análise pareada por escore de propensão (1:1), ajustando para idade, função ventricular, grau de IT, e comorbidades relevantes.
Resultados
A idade mediana dos pacientes com CIED foi de 80 anos, sendo 45% mulheres. A maioria (72%) tinha marcapasso convencional com um único cabo em ventrículo direito, implantado há mediana de 4 anos.O sucesso intraprocedimento foi de 78,9%, com redução ≥1 grau de IT em 93,3% dos casos. Na alta, 79,8%apresentavam IT ≤2+, e 39,9% IT ≤1+.
No seguimento (mediana de 9 meses, Q1–Q3: 63–423 dias), 69,1% mantiveram IT ≤2+, e 29,3% IT ≤1+. A função dos dispositivos permaneceu estável, sem necessidade de revisão ou extração de cabos.Na análise pareada (385 pares), a presença de CIED não impactou significativamente os desfechos clínicos ou ecocardiográficos: a sobrevida livre de morte ou hospitalização por IC em 2 anos foi de 67,1% nos portadores de CIED e 73,6% nos não portadores (HR 1,31; IC95% 0,99–1,74; p=0,063).A obtenção de IT ≤2+ associou-se a melhor prognóstico independentemente da presença de dispositivo (p<0,001).
Comentário
O estudo EuroTR traz dados sólidos sobre uma questão que, até pouco tempo atrás, gerava insegurança entre os operadores: é realmente seguro realizar T-TEER em pacientes com cabos de marcapasso ou CDI atravessando a valva tricúspide?A resposta, agora sustentada por uma grande coorte europeia, é sim — desde que o caso seja bem selecionado e a equipe tenha experiência.
Os resultados mostram que a presença de CIEDs não compromete o sucesso do procedimento nem piora os desfechos clínicos. A taxa de sucesso técnico foi alta, a regurgitação tricúspide foi controlada de forma sustentada e, o mais importante, nenhum paciente precisou de revisão ou extração do dispositivo. Isso reforça a segurança da abordagem percutânea mesmo em cenários anatomicamente desafiadores.
Chama atenção o fato de que quase metade dos cabos se localizava na comissura póstero-septal — uma posição que poderia teoricamente dificultar o grasping dos folhetos. Ainda assim, os operadores conseguiram resultados consistentes, com baixa incidência de single-leaflet device attachment (1,3%), mostrando que, com técnica refinada e imagem adequada, a presença do cabo não é uma contraindicação, mas sim um fator a ser cuidadosamente considerado no planejamento.
Outro ponto interessante é a evolução dos resultados ao longo do tempo, refletindo a curva de aprendizado e a consolidação de dispositivos dedicados, como TriClip e Pascal. A melhora progressiva nas taxas de TR ≤2+ e o perfil de segurança estável mostram o amadurecimento dessa terapia na prática real.
Do ponto de vista clínico, o estudo confirma que o benefício do T-TEER está diretamente ligado ao grau de redução da regurgitação, independentemente da presença de dispositivo. Pacientes que atingem TR ≤2+ apresentam melhor sobrevida e menos hospitalizações por insuficiência cardíaca.
Em resumo, o EuroTR consolida a evidência de que o T-TEER é eficaz e seguro também para pacientes com marcapasso ou CDI, um grupo tradicionalmente considerado “de difícil indicação cirúrgica”. O desafio, agora, é continuar refinando a seleção anatômica e definir o papel dessa terapia no contexto dos novos sistemas de substituição tricúspide.


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